O médium Filgueiras era espírita de grande serenidade.
Certa feita, um amigo, que ele não via desde muito,
visita-lhe a casa e, depois das saudações habituais, dá notícias do próprio
pessimismo.
Declara-se ausente de toda atividade doutrinária. Continua
espírita de convicção, mas afastou-se do trabalho mediúnico, da leitura, das
sessões, das preces...
Inquirido por Filgueiras, começou a se explicar:
–
Imagine você que minha
infelicidade começou quando meu sócio conseguiu furtar-me quase tudo o que eu
possuía. Foi terrível desastre...
–
Mas podia ser pior! -
falou Filgueiras, preenchendo a pausa da conversação.
–
Em seguida,
estabeleci-me com pequena loja; no entanto, meu único empregado ateou fogo a
tudo, após roubar-me...
–
Podia ser pior...-
atalhou Filgueiras.
–
O azar não ficou aí,
pois, quando me viu sem qualquer recursos, a companheira me abandonou, buscando
aventuras inconfessáveis...
–
Podia ser pior...
–
Depois disso, minha
única filha, aquela que ainda se mantinha ao meu lado, ouviu as insinuações de
um homem que a seduziu, desprezando-me com amargas palavras...
–
Podia ser pior...
–
Por fim, meu irmão, a
única pessoa que ainda me dispensava proteção e carinho, foi assassinado por um
salteador que escapou à cadeia.
–
Mas podia ser pior...-
acentuou Filgueiras, calmo.
O outro sorriu, mal-humorado, e objetou:
–
Ora essa! Que podia
ser pior? Dois ladrões me acabam com os negócios, dois malandros me acabam com
a família e um assassino me acaba com o único irmão... que podia ser pior,
Filgueiras?
O prestimoso médium abanou a cabeça e respondeu calmamente:
–
Podia ser pior, sim,
meu amigo! Podia ser você o autor de tantos crimes; entretanto, cá está
conversando comigo, de consciência purificada e mãos limpas. Sofrer dos outros
é, de algum modo, trilhar o caminho que Jesus transitou, mas fazer sofrer os
outros é outra coisa...
O amigo silenciou e, ao despedir-se, rogou a Filgueiras o
benefício de um passe.
***
Espírito: Hilário Silva
Médiuns: Chico Xavier e Waldo Vieira
Livro: Almas em Desfile
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