—
P. Quais as vossas sensações ao deixardes o mundo terrestre?
—
R. Ainda perturbada, torna-se-me impossível explicá-las.
—
P. Sois feliz?
—
R. Tenho saudades da vida... Não sei... Experimento acerba dor da qual a vida
me libertaria... Quisera que o corpo se levantasse do túmulo...
—
P. Lamentais o ter sido sepultada entre cristãos, que não no vosso país?
—
R. Sim, a terra indiana menos me pesaria sobre o corpo.
—
P. Que pensais das honras fúnebres tributadas aos vossos despojos?
—
R. Não foram grande coisa, pois eu era rainha e nem todos se curvaram diante de
mim... Deixai-me... Forçam-me a falar, quando não quero que saibais o que ora
sou... Asseguro-vos, eu era rainha...
—
P. Respeitamos a vossa hierarquia e só insistimos para que nos respondais no
propósito de nos instruirmos. Acreditais que vosso filho recupere de futuro os
Estados de seu pai?
—
R. Meu sangue reinará, por certo, visto como é digno disso.
—
P. Ligais a essa reintegração de vosso filho a mesma importância que lhe dáveis
quando encarnada?
—
R. Meu sangue não pode confundir-se na multidão.
—
P. Não se pôde fazer constar na respectiva certidão de óbito o lugar do vosso
nascimento; podereis no-lo dizer, agora?
— R. Sou oriunda do mais nobre dos sangues da
Índia. Penso que nasci em Delhi.
—
P. Vós, que vivestes nos esplendores do luxo, cercada de honras, que pensais
hoje de tudo isso?
—
R. Que tenho direito.
—
P. A vossa hierarquia terrestre concorreu para que tivésseis outra mais elevada
nesse mundo em que ora estais?
— R. Continuo a ser rainha... que se enviem
escravas para me servirem!... Mas... não sei... parece-me que pouco se
preocupam com a minha pessoa aqui... e contudo eu... sou sempre a mesma.
—
P. Professáveis a religião muçulmana ou a hindu?
—
R. Muçulmana; eu, porém, era bastante poderosa para que me ocupasse de Deus.
—
P. No ponto de vista da felicidade humana, quais as diferenças que assinalais
entre a vossa religião e o Cristianismo?
—
R. A religião cristã é absurda; diz que todos são irmãos.
—
P. Qual a vossa opinião a respeito de Maomé?
—
R. Não era filho de rei.
— P. Acreditais que ele tenha tido uma missão
divina?
—
R. Isso que me importa?!
—
P. Qual a vossa opinião quanto ao Cristo?
—
R. O filho do carpinteiro não é digno de preocupar meus pensamentos.
—
P. Que pensais desse uso pelo qual as mulheres muçulmanas se furtam aos olhos
masculinos?
—
R. Penso que as mulheres nasceram para dominar: eu era mulher.
—
P. Tendes inveja da liberdade de que gozam as europeias?
—
R. Que poderia importar-me tal liberdade? Servem-nas, acaso, de joelhos?
—
P. Tendes reminiscências de encarnações anteriores a esta que vindes de deixar?
— R. Deveria ter sido sempre rainha.
—
P. Por que acudistes tão prontamente ao nosso apelo?
— R. Não queria fazê-lo, mas forçaram-me.
Acaso julgarás que eu me dignaria responder-te? Que és tu a meu lado?
—
P. E quem vos forçou a vir?
—
R. Eu mesma não sei... posto que não deva existir ninguém mais poderoso do que
eu.
—P.
Sob que forma vos apresentais aqui?
—
R. Sempre rainha... E pensas que eu tenha deixado de o ser? És pouco
respeitoso... Fica sabendo que não é desse modo que se fala a rainhas.
—
P. Se nos fosse dado enxergar-vos, ver-vos-íamos com os vossos ornatos e
pedrarias?
—
R. Certamente...
—
P. E como se explica o fato de, despojado de tudo isso, conservar o vosso
Espírito tais aparatos, sobretudo os ornamentos?
—
R. É que eles me não deixaram. Sou tão bela quanto era, e não compreendo o
juízo que de mim fazeis! É verdade que nunca me vistes.
—
P. Qual a impressão que vos causa em vos achardes entre nós? — R. Se eu pudesse
evitá-la... Tratam-me com tão pouca cortesia...
(São
Luís.) — Deixai-a, a pobre perturbada. Tende compaixão da sua cegueira e oxalá
vos sirva de exemplo. Não sabeis quanto padece o seu orgulho. Evocando esta
grandeza decaída ao túmulo, não esperávamos respostas de grande alcance, dado o
gênero da educação feminina nesse país; julgávamos, porém, encontrar nesse
Espírito, não diremos filosofia, mas pelo menos uma noção mais aproximada da
realidade, e ideias mais sensatas relativamente a vaidades e grandezas
terrenas. Longe disso, vimos que o Espírito conservava todos os preconceitos
terrestres na plenitude da sua força; que o orgulho nada perdeu das suas
ilusões; que lutava contra a própria fraqueza e, finalmente, que muito devia
sofrer pela sua impotência.
***
Autor: Allan Kardec
Autor: Allan Kardec
Livro: O Céu e o Inferno (ou a Justiça Divina) / Capítulo VII – Espíritos endurecidos – A rainha de
Oude (Falecida em França, em 1858.) - pg 331.
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