O Arrebol Espírita

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A RAINHA DE OUDE - Espíritos Endurecidos


— P. Quais as vossas sensações ao deixardes o mundo terrestre?
— R. Ainda perturbada, torna-se-me impossível explicá-las.
— P. Sois feliz?
— R. Tenho saudades da vida... Não sei... Experimento acerba dor da qual a vida me libertaria... Quisera que o corpo se levantasse do túmulo...
— P. Lamentais o ter sido sepultada entre cristãos, que não no vosso país?
— R. Sim, a terra indiana menos me pesaria sobre o corpo.
— P. Que pensais das honras fúnebres tributadas aos vossos despojos?
— R. Não foram grande coisa, pois eu era rainha e nem todos se curvaram diante de mim... Deixai-me... Forçam-me a falar, quando não quero que saibais o que ora sou... Asseguro-vos, eu era rainha...
— P. Respeitamos a vossa hierarquia e só insistimos para que nos respondais no propósito de nos instruirmos. Acreditais que vosso filho recupere de futuro os Estados de seu pai?
— R. Meu sangue reinará, por certo, visto como é digno disso.
— P. Ligais a essa reintegração de vosso filho a mesma importância que lhe dáveis quando encarnada?
— R. Meu sangue não pode confundir-se na multidão.
— P. Não se pôde fazer constar na respectiva certidão de óbito o lugar do vosso nascimento; podereis no-lo dizer, agora?
 — R. Sou oriunda do mais nobre dos sangues da Índia. Penso que nasci em Delhi.
— P. Vós, que vivestes nos esplendores do luxo, cercada de honras, que pensais hoje de tudo isso?
— R. Que tenho direito.
— P. A vossa hierarquia terrestre concorreu para que tivésseis outra mais elevada nesse mundo em que ora estais?
 — R. Continuo a ser rainha... que se enviem escravas para me servirem!... Mas... não sei... parece-me que pouco se preocupam com a minha pessoa aqui... e contudo eu... sou sempre a mesma.
— P. Professáveis a religião muçulmana ou a hindu?
— R. Muçulmana; eu, porém, era bastante poderosa para que me ocupasse de Deus.
— P. No ponto de vista da felicidade humana, quais as diferenças que assinalais entre a vossa religião e o Cristianismo?
— R. A religião cristã é absurda; diz que todos são irmãos.
— P. Qual a vossa opinião a respeito de Maomé?
— R. Não era filho de rei.
 — P. Acreditais que ele tenha tido uma missão divina?
— R. Isso que me importa?!
— P. Qual a vossa opinião quanto ao Cristo?
— R. O filho do carpinteiro não é digno de preocupar meus pensamentos.
— P. Que pensais desse uso pelo qual as mulheres muçulmanas se furtam aos olhos masculinos?
— R. Penso que as mulheres nasceram para dominar: eu era mulher.
— P. Tendes inveja da liberdade de que gozam as europeias?
— R. Que poderia importar-me tal liberdade? Servem-nas, acaso, de joelhos?
— P. Tendes reminiscências de encarnações anteriores a esta que vindes de deixar?
 — R. Deveria ter sido sempre rainha.
— P. Por que acudistes tão prontamente ao nosso apelo?
 — R. Não queria fazê-lo, mas forçaram-me. Acaso julgarás que eu me dignaria responder-te? Que és tu a meu lado?
— P. E quem vos forçou a vir?
— R. Eu mesma não sei... posto que não deva existir ninguém mais poderoso do que eu.
—P. Sob que forma vos apresentais aqui?
— R. Sempre rainha... E pensas que eu tenha deixado de o ser? És pouco respeitoso... Fica sabendo que não é desse modo que se fala a rainhas.
— P. Se nos fosse dado enxergar-vos, ver-vos-íamos com os vossos ornatos e pedrarias?
— R. Certamente...
— P. E como se explica o fato de, despojado de tudo isso, conservar o vosso Espírito tais aparatos, sobretudo os ornamentos?
— R. É que eles me não deixaram. Sou tão bela quanto era, e não compreendo o juízo que de mim fazeis! É verdade que nunca me vistes.
— P. Qual a impressão que vos causa em vos achardes entre nós? — R. Se eu pudesse evitá-la... Tratam-me com tão pouca cortesia...

(São Luís.) — Deixai-a, a pobre perturbada. Tende compaixão da sua cegueira e oxalá vos sirva de exemplo. Não sabeis quanto padece o seu orgulho. Evocando esta grandeza decaída ao túmulo, não esperávamos respostas de grande alcance, dado o gênero da educação feminina nesse país; julgávamos, porém, encontrar nesse Espírito, não diremos filosofia, mas pelo menos uma noção mais aproximada da realidade, e ideias mais sensatas relativamente a vaidades e grandezas terrenas. Longe disso, vimos que o Espírito conservava todos os preconceitos terrestres na plenitude da sua força; que o orgulho nada perdeu das suas ilusões; que lutava contra a própria fraqueza e, finalmente, que muito devia sofrer pela sua impotência.

***
Autor: Allan Kardec
Livro: O Céu e o Inferno (ou a Justiça Divina) / Capítulo VII – Espíritos endurecidos – A rainha de Oude  (Falecida em França, em 1858.) - pg 331.


(a) RONALDO COSTA (O Arrebol Espírita)
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