Instalara-se
o grupo de aprendizes do Evangelho, rogando trabalho. Alfredo
Saraiva, o farmacêutico do bairro, foi aclamado dirigente. Olímpio
Caramuru e Otávio Mafra, dois comerciários prestigiosas, prometiam
cooperar. Dona Ofélia e Adão Cunha, velho casal da esquina,
suspiravam pelas sessões. Dona Amanda e Dona Gertrudes ofereciam
serviços mediúnicos. Dona Generosa, viúva desde muito tempo,
alegava a necessidade de oração.
João
Pires, o dono da casa, não cabia em ai de contente.
Nove
pessoas ao todo.
Depois
da prece inaugurai, manifesta-se Irmã Clara,, através das
faculdades de Dona
Amanda.
Afirma-se confortada, feliz. A formação do conjunto repercutira no
Além. Instrutores amigos haviam registrado os votos da pequena
comunidade. Os companheiros haviam pedido trabalho e o trabalho não
faltaria. Em nome de vários mentores espirituais, ali se achava
igualmente interessada em servir. O grupo bem afinado funcionaria
como valiosa instrumentação para o socorro celeste.Ninguém
receasse. Bastariam a boa vontade, a fé, o amor. Esperava, assim, a
harmonização de todos num só objetivo: o objetivo de espalhar o
bem. Em torno deles, surgiam a ignorância e a miséria, gerando
sofrimento. Poderiam fazer muito. Distribuiriam consolação,
esclarecimento, esperança.
As
reuniões começaram animadamente. Depois da prece, a leitura
evangelizante. Textos preciosos, aconselhando esforço e diligência
no bem.
Entretanto,
o pessoal parecia não ouvir. Tão logo se incorporava Irmã Clara,
principiavam as queixas e petições. Dona Gertrudes pedia
assistência para o marido, gozador do mundo, que estimava na
descrença e no sarcasmo a sua razão de ser. Saraiva pedia passem
contra o reumatismo. Caramuru insistia por alguma proteção ao
estabelecimento em que se mantinha empregado. Inicia outra reunião,
Dona Ofélia queria um remédio para a renitente dor de cabeça.
Cunha solicitava ajuda para m sua loja de armarinho. Precisava de
fregueses. Os tempos andavam bicudos. E os impostos subiam,
constringentes. Dona Generosa perseverava implorando uma comunicação
direta com o filho desencarnado.
Irmã
Clara, espírito afável e benevolente, amparava a todos como podia.
Valorosa e otimista, voltava ao intercâmbio, de semana a semana;
todavia, o ambiente era o mesmo. Safra lembrava a necessidade de
receber uma medicação eficaz para a perna direita. Desde que fora
abalroado por um automóvel, vivia capengando. Pires rogava passes
para dois tios que se achavam em desalento. Quando a mensageira
ocupava o aparelho mediúnico de Dona Gertrudes, Dona Amanda
reclamava :
– Eu
também sou filha de Deus.
E
descontava as noites em que não podia incomodar a benfeitora. Pedia
recursos contra a sua antiga doença do estômago, depreciava
proteção para dois netos endiabrados na escola, rogava concurso
para a filha, obrigada a suportar um esposo rixento e infiel.
Irmã
Clara recorria à lei das provas. Asseverava o impositivo da luta,
indispensável ao aperfeiçoamento. Reportava-se ao próprio Cristo
que não pudera furtar-se A cruz. Os circunstantes comoviam-se. Dona
Ofélia e Dona Gertrudes enxugavam lágrimas de emoção.
Reconstituída
porém a assembléia, continuava o petitório. Caramuru dizia-se
fatigado! Não se aguentava sobre as pernas. Dona comanda
lamentava-se da gastrite. Mafra declarava-se cada vez mais coxo.
Quando
o grupo completou o décimo aniversário de existência, a
orientadora espiritual notificou que tentaria começar a obra de
caridade do círculo. Reuniria os pensamentos dos amigos numa só
vibração de otimismo e confiança, a favor de velha irmã enferma.
Deviam estar habilitados à prestação do auxílio. Que todos
orassem e se fortalecessem, mentalmente, cooperando.
Chegada
a noite do serviço, Clara. compareceu, esperançosa. Pela primeira
vez, a protetora pediu. Rogou a todos a necessária concentração
espiritual de energias, benefício da doente.
Ela,
Clara, seria a portadora das forcas curativas para a pobrezinha.
Quando, porém, se preparava para a tarefa, eis que Dona Ofélia
solicitou . um passe para a dor de cabeça. Dona Generosa reclamou a
mensagem que aguardava. Saraiva perguntou se poderia usar o iodo em
doses mais altas. Dona Amanda asseverou que o genro se fizera
insuportável, implorando, por isso, algum trabalho de desobsessão.
Antes
da prece final, o dirigente indagou:
– O
benefício à nossa enferma ausente foi realizado, Irmã?
Clara,
gentil, explicou que não. Não conseguira. O grupo estava cheio de
necessidades e dores. Alguma peca, ali, funcionava mal. Traria, por
essa razão, com inspetor.
Realmente,
na sessão seguinte, o inspetor apareceu.
O
Irmão Cláudio incorporou-se em Dona Gertrudes e falou, firme :
– Meus
amigos, o Espiritismo é Doutrina de progresso. Durante dez anos
consecutivos, vocês foram auxiliados para aprenderem a auxiliar.
– Sim,
sim... – comentou Saraiva, desapontado,
– Irmã
Clara está conosco.
– Reconheço
– ajuntou o visitante, sem agressividade –, reconheço que nossa
amiga é um raro exemplar de carinho e paciência; entretanto,
segundo me parece, a Lei que extinguiu o cativeiro no Brasil é de 18
de Maio de 1888. Clara é nossa irmã. Não é escrava. Esqueçamo-la
um pouco. Arejemos a cabeça para que o coração consiga trabalhar.
Quem realmente pratica o dom da caridade, encontra caridade para si.
O
silêncio pesou por minutos.
– Que
mais nos aconselha, amigo?
– Tudo
está dito – esclareceu Cláudio, sem afetação.
– Que
Deus esteja conosco! – – falou Saraiva, solene.
O
instrutor fixou um gesto de despedida e rematou :
– Que
Deus permanece conosco não há dúvida. É preciso saber, porém, se
estamos, de nossa parte, com Deus.
Cláudio
retirou-se e Irmã Clara voltou a entender-se com os amigos. Mas,
naquela noite, o quadro surgia outro. Dona Generosa silenciou sobre a
vinda do filho.
Mafra
resignou-se com o defeito físico. Dona Amanda não se referiu à
úlcera gástrica. Saraiva conformou-se com o reumatismo. Caramuru
nada pediu para a casa em que trabalhava. Cunha esqueceu a loja. Dona
Ofélia aliviara a cabeça. Pires, calado, parecia enfim satisfeito
com a sorte dos familiares.
Terminada
a reunião, o diretor perguntou com humildade à mentora da casa se
tudo estava bem.
Irmã
Clara, paciente, informou :
– Creio
que o nosso inspetor resolveu o problema.
Graças
a Deus!
E
todas os companheiros, preocupados, repetiram a uma voz:
-
Graças a Deus!
***
Espírito: Irmão X
Médium: Chico Xavier
Livro: Cartas e Crônicas
(a) RONALDO COSTA (O Arrebol Espírita)
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