A velha Jordelina Torres recebera do
fazendeiro Paulo Mota as piores humilhações da
vida.
A princípio, quando mais moço,
perseguira-a com propostas menos dignas a que resistira valentemente.
O homem teimoso, contudo, para
vingar-se, crivara-lhe o esposo, então empregado da
fazenda, com tantas tarefas de
sacrifício, que o pobre veio a desencarnar de maneira
inesperada e violenta.
Desde então, o adversário gratuito
apertou o cerco.
Seduziu-lhe ambas as filhas, ao preço
de ouro, lançando-as à existência em que a mulher bebe fel com o
nome de “vida fácil” e em seguida, não contente, tomou-lhe a
casinha esburacada, banindo-a do sítio.
Jordelina, analfabeta, buscou a cidade
grande, encorajada na fé, e fez-se cozinheira na
residência de um médico, junto de
quem teve a felicidade de encontrar uma família do coração.
Os anos rolaram e, certo dia, já
grisalha, Jordelina Torres foi solicitada a comparecer no leito de
morte do fazendeiro.
O portador comunicou-lhe que Paulo
Mota, muito doente, se fizera religioso e queria vê-la, antes de
partir para o túmulo.
Quem sabe se o poderoso sitiante
tencionava pedir-lhe perdão ou aquinhoá-la com algum bem?
Jordelina realmente não desejava rever
o desafeto, mas, vencida pelos argumentos da
casa afetuosa a que servia, pôs-se de
viagem para a fazenda.
Lá chegando, contudo, encontrou a
surpresa.
Paulo Mota estava morto, desde a
véspera.
E, deitada no féretro, mostrava
curiosa apresentação, pois pedira à filha que o vestissem como
Jesus no dia do Calvário.
O cadáver estava em posição solene,
envergando grande roupão branco, cana humilde
entre as mãos, coroa de espinhos na
cabeça, pés descalços.
Tudo simples, sem uma flor.
O fazendeiro dissera que desejava
chegar ao outro mundo com a pobreza e a simplicidade do Divino
Mestre.
Jordelina Torres chegou, respeitosa, e
fitou o morto, compungidamente.
Orava, serena, quando foi abordada por
D. Mariana Mota, a filha do fazendeiro, que lhe falou:
– Dona Jordelina, lamento que a
senhora não tenha chegado antes... Papai estava muito interessado em
que a senhora o perdoasse por alguma falta de outros tempos...
– Não tenho nada contra ele –
disse a velha humilde –, pois também sou pecadora,
necessitada do perdão de Deus.
Encorajada por uma resposta assim tão
doce, a jovem senhora indicou o morto, cuja
figuração efetivamente lembrava o
Sublime Crucificado, e falou à recém-chegada :
– A senhora não acha que papai está
bem como está?
Foi então que Jordelina explicou, sem
afetação:
– Sim, minha filha, Nhô Paulo está
muito bem disfarçado, mas ele agora está seguindo para o lugar onde
é bem conhecido.
***
Espírito: Hilário
Silva
Médium: Chico Xavier
Livro: Almas em
Desfile
(a) RONALDO COSTA (O Arrebol Espírita)
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