D.
Henrique de Sagres abandonou as suas atividades na Terra em 1460.
Estava
realizado, em linhas gerais, o seu grande destino. Da sua casa
modesta da Vila-Nova do Infante, onde se encontra ainda hoje uma
placa comemorativa, como perene homenagem ao grande navegador,
desenvolvera ele, no mundo inteiro, um sentimento novo de amor ao
desconhecido. Desde a expedição de Ceuta, o Infante deixou
transparecer, em vários documentos que se perderam nos arquivos da
Casa de Avis, que tinha a certeza da existência das terras
maravilhosas, cuja beleza haviam contemplado os seus olhos
espirituais, no passado longínquo. Toda a sua existência de
abnegação e ascetismo constituíra uma série de relâmpagos
luminosos no mundo de suas recordações. A prova de que os seus
estudos particulares falavam da terra desconhecida é que o mapa de
André Bianco, datado de 1448, mencionava uma região fronteira à
África. Para os navegadores portugueses, portanto, a existência da
grande ilha austral já não era assunto ignorado.
Novamente
no Além, o antigo mensageiro do Mestre não descansou, chamando a
colaborar com ele numerosas falanges de trabalhadores devotados à
causa do Evangelho do Senhor. Procura influenciar sobre o curto
reinado de D. Duarte estendendo, com os seus cooperadores, essa mesma
atuação ao tempo de D. Afonso V, sem lograr uma ação decisiva a
favor das empresas esperadas. Aproveitando o sonho geral dos tesouros
das índias, a personalidade do Infante se desdobra, com o objetivo
de descortinar o continente novo ao mundo político do Ocidente.
Enquanto a sua atuação encontra fraco eco junto às administrações
de sua terra, o povo de Castela começa a preocupar-se seriamente com
as idéias novas, lançando-se à disputa das riquezas entrevistas.
Eleva-se então ao poder D. João H, cujo remado se caracterizou pela
previdência e pela energia realizadora. Junto do seu coração, o
emissário invisível encontra grandes aspirações, irmãs das suas.
O Príncipe Perfeito torna-se o dócil instrumento do mensageiro
abnegado. A mesma sede de além lhe devora o pensamento. Expedições
diversas se organizam. O castelo de São Jorge é fundado por Diogo
de Azambuja, na Costa da Mina;
Diogo
Cão descobre toda a costa de Angola; por toda parte, sob o olhar
protetor do grande rei, aventuram-se os expedicionários. Mas o
espírito, em todos os planos e circunstâncias da vida, tem de
sustentar as maiores lutas pela sua purificação suprema. Entidades
atrasadas na sua carreira evolutiva se unem contra as realizações
do príncipe ilustre. Depois do desastre no Campo de Santarém, no
qual o filho perde a vida em condições trágicas, surgem outras
complicações entre a sua direção justiceira e os nobres da época,
e D. João II morre envenenado em Alvor, no ano de 1495.
Todavia,
os planos da Escola de Sagres estavam consolidados. Com a ascensão
de D. Manuel I ao poder, nada mais se fez que atingir o fim de longa
e laboriosa preparação.
Em
1498, Vasco da Gama descobre o caminho marítimo das índias e, um
pouco mais tarde, Gaspar de Corte Real descobre o Canadá. Todos os
navegadores saem de Lisboa com instruções secretas quanto à terra
desconhecida, que se localizava fronteira à África e que já havia
sido objeto de protesto de D. João II contra a bula de Alexandre VI,
que pretendia
lhe impor
restrições ao longo do Atlântico, por sugestão dos reis católicos
da Espanha.
No
dia 7 de março de 1500, preparada a grande expedição de Cabral ao
novo roteiro das índias, todos os elementos da expedição,
encabeçados pelo capitão-mor, visitaram o Paço de Alcáçova, e na
véspera do dia 9, dia este em que se fizeram ao mar, imploraram os
navegadores a bênção de Deus, na ermida do Restelo, pouso de
meditação que a fé sincera de D. Henrique havia edificado. O Tejo
estava coberto de embarcações engalanadas e, entre manifestações
de alegria e de esperança, exaltava-se o pendão glorioso das
quinas.
No
oceano largo, o capitão-mor considera a possibilidade de levar a sua
bandeira à terra desconhecida do hemisfério sul. O seu desejo cria
a necessária ambientação ao grande plano do mundo invisível.
Henrique de Sagres aproveita esta maravilhosa possibilidade.
Suas
falanges de navegadores do Infinito se desdobram nas caravelas
embandeiradas
e alegres. Aproveitam-se todos os ascendentes mediúnicos. As noites
de Cabral são povoadas de sonhos sobrenaturais e, insensivelmente,
as caravelas inquietas cedem ao impulso de uma orientação
imperceptível. Os caminhos das índias são abandonados. Em todos os
corações há uma angustiosa expectativa. O pavor do desconhecido
empolga a alma daqueles homens rudes, que se viam perdidos entre o
céu e o mar, nas imensidades do Infinito. Mas, a assistência
espiritual do mensageiro invisível, que, de fato, era ali o divino
expedicionário, derrama um claror de esperança em todos os ânimos.
As primeiras mensagens da terra próxima recebem-nas com alegria
indizível. As ondas se mostram agora, amiúde, qual colcha
caprichosa de folhas, de flores e de perfumes. Avistam-se os píncaros
elegantes da plaga do Cruzeiro e, em breves horas, Cabral e sua gente
se reconfortam na praia extensa e acolhedora. Os naturais os recebem
como irmãos muito amados. A palavra religiosa de Henrique Soares, de
Coimbra, eles a ouvem com veneração e humildade. Colocam suas
habitações rústicas e primitivas à disposição do estrangeiro e
reza a crônica de Caminha que Diogo Dias dançou com eles nas areias
de Porto Seguro, celebrando na praia o primeiro banquete de
fraternidade na Terra de Vera Cruz.
A
bandeira das quinas desfralda-se então gloriosamente nas plagas da
terra abençoada, para onde transplantara Jesus a árvore do seu amor
e da sua piedade, e, no céu, celebra-se o acontecimento com grande
júbilo. Assembléias espirituais, sob as vistas amorosas do Senhor,
abençoam as praias extensas e claras e as florestas cerradas e
bravias. Há um contentamento intraduzível em todos os corações,
como se um pombo simbólico trouxesse as novidades de um mundo mais
firme, após novo dilúvio.
Henrique
de Sagres, o antigo mensageiro do Divino Mestre, rejubila-se com as
bênçãos recebidas do céu. Mas, de alma alarmada pelas emoções
mais carinhosas e mais doces, confia ao Senhor as suas vacilações e
os seus receios:
— Mestre
— diz ele — graças ao vosso coração misericordioso, a terra do
Evangelho florescerá agora para o mundo inteiro. Dai-nos a vossa
bênção para que possamos velar pela sua tranqüilidade, no seio da
pirataria de todos os séculos. Temo, Senhor, que as nações
ambiciosas matem as nossas esperanças, invalidando as suas
possibilidades e destruindo os seus tesouros...
Jesus,
porém, confiante, por sua vez, na proteção de seu Pai, não hesita
em dizer com a certeza e a alegria que traz em si:
— Helil,
afasta essas preocupações e receios inúteis. A região do
Cruzeiro, onde se realizará a epopeia
do meu Evangelho, estará, antes de tudo, ligada eternamente ao meu
coração. As injunções políticas terão nela atividades
secundárias, porque, acima de todas as coisas, em seu solo
santificado e exuberante estará o sinal da fraternidade universal,
unindo todos os espíritos. Sobre a sua volumosa extensão pairará
constantemente o signo da minha assistência compassiva e a mão
prestigiosa e potentíssima de Deus pousará sobre a terra de minha
cruz, com infinita misericórdia. As potências imperialistas da
Terra esbarrarão sempre nas suas claridades divinas e nas suas
ciclópicas realizações.
Antes
de o estar ao dos homens, é ao meu coração que ela se encontra
ligada para sempre.
Nos
céus imensos, havia clarões estranhos de uma bênção divina. No
seu sólio de estrelas e de flores, o Supremo Senhor sancionara, por
certo, as bondosas promessas de seu Filho.
E
foi assim que o minúsculo Portugal, através de três longos
séculos, embora preocupado com as fabulosas riquezas das índias,
pôde conservar, contra flamengos e ingleses, franceses e espanhóis,
a unidade territorial de uma pátria com oito milhões e meio de
quilômetros quadrados e com oito mil quilômetros de costa marítima.
Nunca houve exemplo como esse em toda a história do mundo. As
possessões espanholas se fragmentaram, formando cerca de vinte
repúblicas diversas. Os Estados americanos do norte devem sua
posição territorial às anexações e às lutas de conquista. A
Louisiana, o Novo México, o Alasca, a Califórnia, o Texas, o
Oregon, surgiram depois da emancipação das colônias inglesas. Só
o Brasil conseguiu manter-se uno e indivisível na América, entre os
embates políticos de todos os tempos. É que a mão do Senhor se
alça sobre a sua longa extensão e sobre as suas prodigiosas
riquezas. O coração geográfico do orbe não se podia fracionar.
***
Espírito:
Humberto de CamposMédium: Chico Xavier
Livro: Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.
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